Manhã sem ar
prisioneiro nesta carcomida carcaça de mim
dou uma parada no caminho aqui pelo meio
do lixo não reciclável recolho bola de cristal
com a óbvia intenção de saber qual meu fim
encerrado neste nojento curral de chão batido
limitado espaço a gado a espera de ser abatido
plausivelmente dentre o grupo dos não inocentes
tenho como companheiras inseparáveis moscas
não adianta mandar sacerdote trazendo extrema-unção
de antemão adianto não vou me fingir de arrependido
justamente eu que fui cem por cento do tempo enganado
como mais um ilustre viageiro bocó em busca do eldorado
em vista disso a partir de agora vou parar de andar de carro
andarei de bicicleta pelo corredor de ônibus cuspindo catarro
me imiscuo na multidão passo por outro vilão sem dificuldade
porque deveras sou arrogante me faço de completo ignorante
das desditas sofridas por mim e todos os meus semelhantes
deste nosso bando de humilhados espalhados pela cidade
pena não aceitar como sugestão de pena punhal
cravado no peito muito menos pedrada na cara
dou preferência a revólver com bala encontrada
tenazes nos bagos não por favor não acho legal
ter um fim decente como merecem alimárias quaisquer
tais pombas piolhentas pululando a metrópole é a meta
ou também por exemplo os restos de melancias na feira
enfim como todo vivente dependente de oxigênio quer
considero que seja justo talvez ter ao menos esse direito
razão pela qual o digo com transparência quase perfeita
enquanto isso permaneço nesta casa assombrada
embora fique num beco sem saída
aqui o terror não tem entrada
apenas de vez em quando o bem pelo mal é superado
se um ou outro transeunte passante diante da porta
exprimisse olhares incompreensivos em cara torta
devido à ausência de luz do crepúsculo ao amanhecer
se visse o preço do quilovate hora iria compreender
já estou acostumado sequer me sentiria surpreendido
caso numa noite dessas uma daquelas bem escura
a morte viesse à minha procura
e ao nascer do sol fosse encontrado no chão estendido
nem alegre nem triste sem piedade ou dó
rijo e só