Poema do gato vivo

Eduardo Barchiesi
2 min readApr 18, 2021

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o poetinha
como costumava ser
carinhosamente chamado
o poeta maior
diplomata de carreira
artista das letras e da música
cantor do amor
encantador de mulheres
certa feita
em florença
nos idos de mil novecentos e sessenta
escreveu um encômio
aos felinos domésticos
que denominou de
soneto do gato morto

entre tantas coisas belas
como soeu acontecer
com quase tudo que ele escreveu
naquele particular poema está dito que
um gato vivo é qualquer coisa linda
nada existe com mais serenidade

ora pois
não é que um dia desses
por conta do meu aniversário
de quem eu considerava
uma pessoa amiga
ganhei de presente um gato

passemos sem delongas aos fatos
o tal bichano de fato
acorde a opinião do bardo
sem dúvida era portador
de uma invulgar beleza
serenidade porém nem pensar
sua educação deixava muito a desejar
sofá poltrona cadeira mesa
o sacana subia sem pestanejar
quando bem lhe desse na telha
para refestelado ali se aboletar
carpetes e tapetes
além das almofadas de finos tecidos
eram os lugares por ele escolhidos
para praticar a arte de arranhar
saltava sobre a pia da cozinha e ali
comia o que havia de seu agrado
o restante largava tudo bagunçado
diariamente dava um repasse na fruteira
que ficava em cima da geladeira
rasgava os pacotes de bolacha e de chocolate
ainda dentro do prazo de validade
guardados na prateleira do armário
era mesmo um bichinho salafrário
espalhava papel higiênico o limpo e o usado
pelo chão do banheiro
eta gatinho abusado
entrava no roupeiro para afiar as unhas
em minhas camisas de seda preferidas
pisoteava delicadamente
com as patinhas sujas de barro
meus papéis em cima da escrivaninha
achava sempre um jeito
de dar uma escapadela
pela porta ou pela janela
e voltava na manhã seguinte
com a fuça estropiada se fazendo de doente
dormia o dia inteiro acordava no fim da tarde
reclamava da ração miando desesperado o patife
parava só depois de receber um bom naco de bife
pra completar meu desespero
enchia todos os cantos de pelo

as palavras do renomado vate
bem se aplicavam aquele meu gato
o danado era um disparate
mesmo parado ele caminhava
e parecia que estava sempre rindo da minha cara

pra concluir esta baboseira
deixo aqui registrada
uma confissão derradeira
não consegui suportar a situação
e tive que me livrar do animal
dando ele também de presente
para um parente meio distante
um cara considerado muito legal
foi a forma que encontrei
de manter o maldito gato vivo
sem que eu não enlouquecesse
e quem sabe até morresse
porque pra falar com franqueza
era ele ou eu aqui nesta casa

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Eduardo Barchiesi
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Written by Eduardo Barchiesi

Poetastro perdido no próprio rastro

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